A mulher se reinventou, assim como redesenhou a sua relação com a sociedade. O sutiã foi simbolicamente queimado, o voto e o mercado de trabalho foram efetivamente conquistados. Mudanças assim não são gratuitas: com elas veem novos desafios, que volta e meia são matéria-prima para toda sorte de discussões. Com os desafios, novos problemas, que vão desde o enfrentamento da sociedade e do mercado de trabalho, até os contratempos na saúde – ameaçada pelos males do mundo contemporâneo. Novos problemas, novas demandas – sociais, econômicas e políticas. Diante do crescente protagonismo delas na organização da sociedade, o Viver traz uma visão panorâmica da mulher moderna para endossar a discussão sobre o universo feminino.
A imagem de sexo frágil sempre acompanhou as mulheres, mesmo aquelas que acumulam forças para cumprir as inúmeras jornadas diárias. Casa, filho, marido, saúde, beleza e trabalho são alguns itens da lista de preocupações que invadem as cabeças femininas – guardadas as devidas proporções por conta das individualidades.
ONTEM E HOJE
Até meados do século passado, as atribuições de um homem e de uma mulher eram bastante delimitadas. Historicamente, a mulher esteve vinculada à imagem de objeto de reprodução e de dona de casa. Mas os novos costumes, reflexos do movimento feminista, criaram outras atividades para ela, mas mantiveram o nível de exigência: boa mãe, boa esposa, boa dona de casa, boa profissional. Tudo isso sem comprometer a aparência impecável.
Abriu-se, então, um caminho fértil para questionar paradigmas e para remodelar os limites e possibilidades da mulher. Entrar no mercado de trabalho passou a ser uma realidade assim como a gravidez passou a ser uma opção, e não mais uma obrigação.
Elas contabilizam conquistas nos campos sociais, políticos e econômicos, mas também se vêem desafiadas pelas exigências de uma vida moderna. A mulher está de cara com novas circunstâncias que, negando ou reforçando exigências clássicas, as desagradam. Como investir na profissão e ser boa mãe? Como ser boa amante e administrar bem o lar?
Segundo a psicóloga Isabel Bellaguarda, o excesso de opções, na sociedade contemporânea, exige respostas imediatas e está provocando em todo ser humano um mal-estar generalizado. Isso tende a levar as pessoas a níveis máximos de estresse e frustração. Assim, o risco do ser humano se apegar a demandas que não são suas ou não pertencem ao seu universo é muito grande.
“A mulher, em especial, sofre as consequências desta modernidade de forma mais direta pelo fato de não sentir-se compreendida, aceita e valorizada suficientemente. Parece que está sempre em falta com algo ou com alguém”, diz Isabel, que é diretora do Centro Internacional de Análise Relacional (CIAR – sede Fortaleza).
CONQUISTAS E DESAFIOS:
AS ANGÚSTIAS DA MULHER MODERNA
A busca por um bom desempenho em tudo que espera de si, como no que a sociedade exige, causa angústia na mulher contemporânea. “Ela demonstra querer reconhecimento de seu valor, dos esforços empreendidos na manutenção de sua múltipla jornada. Ela se mostra em busca de uma identidade feminina compatível com as diversas demandas que lhe são apresentadas”, afirma a psicóloga Arlene Silva.
É crescente e expressiva a participação feminina em posições de liderança e chefia. Seja em cargos públicos ou em empresas privadas, o poder delas se faz presente, eventualmente, disputando com a ainda hegemônica presença masculina.
“Conseguir se estabelecer na carreira e desenvolver uma trajetória profissional reconhecida talvez reflita boa parte dos anseios femininos na atualidade. O crescente número de mulheres ocupando cargos antes estritamente masculinos põe em xeque a estreita relação existente há algum tempo entre gênero e profissão”, diz Arlene. Antes da “modernização” do seu comportamento, a mulher vinculava a realização pessoal ao desempenho como esposa, mãe e dona de casa. “Acompanhar e conduzir a educação e desenvolvimento dos filhos e investir nos vínculos familiares eram suas metas mais investidas. Com sua inserção no mercado de trabalho, o cenário pessoal e familiar já não satisfaz”, explica Isabel. A busca incessante pela superação profissional leva a mulher a se preocupar com a sua qualificação, investindo em peso na educação e visando mais/melhores resultados. A inserção no mercado e a crescente necessidade de mão de obra contribuem para as superposições de funções atribuídas socialmente a elas. O excesso de investimento na vida profissional, segundo Isabel, tende ainda a desequilibrar o universo feminino. “O maior desafio de ser uma mulher moderna é buscar a conciliação entre vida profissional, acadêmica, pessoal e afetiva de forma harmônica. É saber gastar energia pra cada uma dessas atividades de forma que a gente tenha felicidade em tudo aquilo que a gente faz. Não é fácil”, resume Cintia Pinheiro, coordenadora de Recursos Humanos de uma empresa de grande porte. Cintia aponta algumas características que a enquadra no perfil de uma mulher dita “moderna”: vida profissional muito ativa, muito estudo, leitura e garantia do lazer.FAMÍLIA E SAÚDE A família – quando constituí-la é uma escolha – não só disputa espaço entre as funções das mulheres, como também se desmembrou em outra preocupação: além de mãe e/ou esposa dedicada, presente e amorosa, é fonte de renda. “A renda feminina hoje é responsável pelo sustento de parte significativa dos lares brasileiros. Sendo assim, educar os filhos e dar conta das necessidades materiais da família são aspectos marcantes na atualidade das brasileiras”, diz Arlene. A saúde da mulher também sofre as consequências de uma vida agitada e cheia de atribuições. Na década de 80, a atenção do governo federal deixou de ser voltada prioritariamente para a relação materno-infantil e incorporou a assistência em todas as etapas da vida da mulher. Apesar do cotidiano corrido e de eventuais negligências nos cuidados com a saúde, a mulher ainda é o contingente populacional que mais busca o serviço de saúde, segundo Silvio Carlos Rocha, diretor clínico do Gonzaguinha de Messejana. “Através da mulher, nós do serviço de saúde, nos preparamos para atender as suas necessidades. Isso tem levado o setor a se organizar mais para dar uma assistência de qualidade”, afirma o médico, que aponta a prevenção do câncer de colo e de mama como as principais preocupações da mulher em relação à saúde, além de uma assistência humanizada. Seja em todos esses aspectos, os desafios da mulher moderna caem na questão das “múltiplas funções” que elas vêm adquirindo ao longo dos anos e na sensação de frustração por, muitas vezes, não darem conta de tudo o que acreditam ser possível. “Talvez uma das maiores dificuldades que a mulher enfrenta hoje seja lidar com o fato de que cada uma tem que descobrir sua própria forma de ser mulher, mesmo que isso vá de encontro a algumas expectativas do meio que a circunda e que a sociedade supostamente impõe”, afirma Arlene.
Fonte: Especial para o Viver